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domingo, 29 de abril de 2018

Gente obediente

"Mas não é ilegal"; "mas a lei permite" - argumentos tipicamente mobilizados em defesa de atitudes eticamente inaceitáveis.

Em parte, era assim que os senhores de escravos respondiam ao abolicionismo. Torturar suspeitos e queimar hereges também não era "ilegal" nos tempos da Santa Inquisição. As leis romanas permitiam assistir a combates de gladiadores - para ficar apenas com alguns exemplos, entre muitos, demais até. Como dizia Luther King, as piores atrocidades costumam ser cometidas por gente obediente às leis.

Não existe nada mais conveniente (e servil) que delegar a própria consciência à pena dos legisladores. Excesso de obediência costuma ser gesto de patológica irresponsabilidade moral.


quarta-feira, 25 de abril de 2018

"Para repetir, para imitar, para se fiar, basta deixar-se levar; é a crítica que exige um esforço".
Henri Bergson

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Eleições em Pasárgada

As últimas intervenções públicas de Ciro vêm sendo tão irritantes que considero cada vez mais remotas as possibilidades de votar nele no 1º turno. No 2º, contra Bolsonaro, voto no Ciro, no Dário, no Xerxes e até no Artaxerxes.
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"Lula Livre" lembra mais nome de programa de televisão dos anos 80 ou 90. Talvez fosse melhor lançar a candidatura presidencial do Juba. Ou do Bakana. Esse país segue sendo uma "Armação Ilimitada"...
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Se a esquerda - brasileira e mundial - continuar olhando para trás dessa maneira, acabará virando estátua de sal...
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No fundo, estamos a discutir quem é a prostituta mais virgem do lupanar.
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Fraca, doente, quase morta: República Federativa do Brasil...

"Pela liberação do porte de arcos. É melhor Jair se acostumando."

O Triplex das Farsas: uma elevada ficção

O tal vídeo "revelador" que precisa "rodar o mundo" produzido pelo MTST no triplex do Guarujá é farsesco - no sentido teatral do termo. Mostra apenas algumas partes do imóvel - especialmente não mostra o tal elevador interno.

Quem tenha o mínimo interesse em investigar a coisa mais a fundo facilmente encontrará no Youtube duas reportagens, produzidas pelo Uol e pelo SBT, que desmentem a imagem sugerida pelo vídeo do MTST. Nota-se claramente que se trata do mesmo imóvel -incluindo elevador. Também aparecem com mais clareza os elementos presentes na denúncia do MP - inclusive o elevador. O elevador existe, mas o vídeo do MTST não o exibe: simples assim. Com celular na mão, e uma ideia na cabeça, a glauberiana obra cinematográfico-política não prova nada, mas enche de convicções aqueles que já as possuem em demasia.

É impressionante a facilidade com que se mobiliza e manipula a opinião de gente militante - até com diproma de dotô. Não "existe" elevador, porque não querem ver o elevador: a cegueira voluntária não tem cura. Mesmo que subam e desçam pelo elevador, dirão que não existe. Ottis e Schindler são apenas nome inventados. Em nome de sua ficção política, argumentarão até que elevadores só existem em obras de ficção científica: deve ser coisa de Júlio Verne, Ray Bradbury ou Phillip K. Dick. "Do political activists dream of elevators?"

Como diria Didi Mocó Sonrisepe Colesterol Novalgino Mufumbo, parece que esse povo anda "popotamizado": cai nas artimanhas do primeiro Scapino que aparece... "Mais qu'est-ce qu'ils faisaient dans cet ascenseur?!"

Mas... já falei do elevador?


O Sabá dos Gatos (sem o Quico)

Gatos entoando a maior cantoria aqui perto de casa: em plena Sexta-Feira 13! Se fosse no século XVI, já ia pra conta do "Sabá das Feiticeiras". Mas eu, como homem esclarecido do século XXI, sei quem está lá: outro gato! Vou deixar meu piripaque pra depois das eleições...

13 de abril de 2018, sexta-feira

"Onde está você, Satanás?"

Oportunismo pouco é bobagem

Tomo a liberdade de escrever um texto com duplos, triplos, múltiplos sentidos - nenhum deles bom, infelizmente.

Vem aí um candidato a deputado federal capaz de agradar a todos os brasileirinhos e brasileirinhas, o tipo de pessoa que busca a fama até - talvez principalmente - na infâmia. O Alexandre faz tantos personagens diferentes que dava mesmo pra tripular uma Frota inteirinha. Dava até pra uma "Invencível Armada" - com o perdão de todos os trocadilhos pornográficos ou bolsomitológicos que se queira tirar ou botar aí... É muita falta de decoro parlamentar!

Bolsonaro, além de ser uma piada, agora quer virar piada de sacanagem, ainda por cima - piada "de fumoir*", como diziam antigamente, no tempo em que a boa gente brasileira ainda falava francês e fumar não fazia mal à saúde. Hoje em dia ainda há quem fume, mesmo sabendo o mal que faz, assim como tem muita gente levando esses caras a sério: me pergunto o que certos cristãos-com-Bolsonaro teriam a dizer sobre uma coisa dessas. Essa turma lembra até a situação dos cinemas de rua no Rio de Janeiro: alguns viraram cine-pornô, outros viraram igrejas. O Ministério da Cultura adverte. Melhor evitar maiores comentários que poderiam talvez resvalar na blasfêmia: já ultrapassei minha cota de piadas infames para um post só.

Termino com uma sugestão: no horário eleitoral, pela preservação da sua família, tire as crianças da sala - esse país é mesmo uma obscenidade!


*"Fumoir" - salões comuns até meados do século XX em clubes e casas de famílias abastadas, onde os homens costumavam se reunir para fumar e conversar sobre assuntos considerados indecorosos na presença de mulheres.

Amor e Igualdade

Bela reflexão do filósofo Thales de Mileto, digo, de Oliveira...

O maior obstáculo para o igualitarismo não é o ódio, a indiferença e a apatia, mas sim o próprio amor. Mesmo se o igualitarismo mais perfeito e estrito fosse instaurado no mundo, no dia seguinte ele começaria a ruir e se desfazer, e a desigualdade cresceria e retomaria pouco a pouco o seu lugar, por causa do amor. Alguns seriam mais amados do que outros. Outros seriam muito mais amados. E ainda haveria aqueles que seriam amados por quase todos, enquanto outros não seriam amados por quase ninguém. E os que fossem mais amados receberiam mais presentes, além do próprio presente de serem amados. Não há nada mais injusto e desigual do que o amor. Mas o amor vale todas essas injustiças. Pois o amor é belo. É mais fascinante e nobre do que a própria igualdade. E por ele foi feito o mundo.

quarta-feira, 18 de abril de 2018

Escrita como domesticação

O escritor é como um caçador, que captura pensamentos. Pensamentos, como se sabe, são criaturas selvagens. Alguns se deslocam em grandes manadas pelos prados da mente. Outros, mais arredios, se escondem na penumbra dos bosques do subconsciente; pensamentos perigosos e ariscos, que entrevemos apenas nos sonhos ou nos lapsos da vigília.

O escritor habilidoso se põe à espreita, nas tocaias da introspecção. Observa, atento, os pensamentos que se movem para lá e para cá. Com sorte, identifica seus hábitos e caminhos costumeiros. Sagaz, prepara suas armadilhas, com redes, cordas e nós. Quando um pensamento desavisado se deixa pegar na trama das palavras a luta é duríssima. Nenhum pensamento se entrega facilmente, nem mesmo os mais mansos. Eles deseja liberdade, não as cadeias da gramática, da sintaxe, da lógica. A luta pode ser dura e demorada; muitas vezes se prolonga por horas, dias, semanas, meses... Com muita frequência, depois de tantos esforços, o danado simplesmente escapa, deixando desconcertado o caçador.

Com sorte, o pensamento capturado é arrastado até o curral, onde poderá ser amansado com muita dedicação. Domesticar um pensamento não é tarefa fácil. Tratados sem delicadeza, eles empacam, definham, morrem; sobra apenas um esqueleto de pensamento, uma tristeza! É preciso encontrar a dose certa de carinho e firmeza para domesticá-los.

Amansado o pensamento, o escritor pode integrá-lo aos seus rebanhos. Com algum engenho, ele descobre como conduzi-los para lá e para cá, explorando e conquistando essas vastas pastagens e horizontes sem fim que são as frases, parágrafos, páginas, capítulos, livros inteiros...

sexta-feira, 13 de abril de 2018

Lula et caterva, ainda

1 - Lula, o humano
Discordo de várias opiniões da autora, mas eis aqui uma análise ponderada, com vários momentos brilhantes, que merece muito ser lida por quem deseja formular uma opinião equilibrada sobre nosso momento político. Eliane Brum costuma ter coisas interessantes a dizer.

2 - Eternos lacerdismos
Há lacerdismos por todo lado. Não pelo fundo, mas pela forma. Lindbergh e Hoffman andaram fazendo performances que deixariam o velho Lacerda orgulhoso... Somos fundamentalmente um país de Lacerdas, Jânios e Adhemares... O próprio Lula tem um pouquinho de cada... Brizola tinha razão: o PT é a UDN de macacão.

3 - Antes de amar
O PSOL me parece cada vez mais um partido fadado a morrer na adolescência. "Avant même d'avoir aimé", diriam os franceses. Triste...

4 - Provas e convicções
Já falei um zilhão de vezes, mas não custa repetir: o MP apresentou PROVAS contra o Lula, um MONTE delas (circunstanciais, mas provas*). A galera lulista e simpatizante se agarrou àquele (certamente infeliz) powerpoint como a uma tábua de salvação. O tal powerpoint era apenas isso: um slide (mal pensado) de Powerpoint. O problema é que a militância petista (e seus satélites) tem muitas "convicções" - acima e além de qualquer prova. Convicções estas que se tornam cada vez mais sólidas pela repetição frequente e incansável. Muita gente odeia os pobres? Certamente. Muita gente faz críticas superficiais e mesquinhas aos programas sociais do PT? Ainda mais. Lula foi preso SÓ por causa disso? Não; ele foi condenado por corrupção passiva, com - repito - DEZENAS de provas circunstanciais. Em lugar de repetir e reproduzir como papagaios "informações" dadas pela "mídia independente", o pessoal devia ler com atenção a denúncia do MP. Eu li. Dá trabalho, mas é gratuito (fontes primárias, colegas historiadores, fontes primárias). Seria bom que os defensores incondicionais de Lula vissem atentamente as provas, e depois formulassem suas convicções...

[* "Defina provas circunstanciais, por favor". -  Suponho que seja algo como evidências indiciárias periféricas cujo conjunto permita estabelecer uma reconstituição do caso acima de qualquer dúvida razoável. Enfim, provas que não são materiais como uma arma fumegante ou amostras de DNA, mas que possuem suficiente valor probante. No caso específico de Lula, provas em sua maioria documentais. Mais ou menos isso. Estou muito enganado?]

5 - Ciro, o Bárbaro do Ocidente
Não me parece que o (suposto) pescoção do Ciro no youtuber deva ser subestimado ou minimizado; tampouco deve ser superestimado. Edição tendenciosa? Havia intenção de machucar? Ciro exagerou na força do "tapinha"? Vai saber. A coisa toda é muito ambígua, no fim das contas. Acho curioso, no entanto, que no vídeo em questão o presidenciável e o youtuber se agridem verbalmente de modo extremamente desagradável, mas pouco se liga para isso: parece que nos tornamos cada vez mais insensíveis a agressões verbais... Continuo achando que o Ciro é o candidato menos pior nesse trem fantasma eleitoral, mas me sinto cada vez mais inclinado a anular no 1º turno e votar em qualquer um que não seja o Bolsonaro no 2º...


quinta-feira, 12 de abril de 2018

Um povo alucinado por salvadores

Interessante reflexão do filósofo Thales de Oliveira.

O pior do Brasil não é a polarização. A dialética é a essência da realidade, segundo o filósofo alemão Friedrich Hegel. E toda dialética precisa de polaridade. O que é realmente lamentável neste país é a degradação da polarização, marcada pelo fato de os pólos não avançarem em real evolução dialética. Os pólos progressista e conservador não aprendem com os erros um do outro. Os progressistas não se acautelaram e colocaram no poder um partido que fez pactos nefastos com o pior de nossas elites atrasadas, do mesmo modo que os conservadores o haviam feito no passado. Mas os conservadores não aprenderam a amarga lição sofrida pela esquerda: o mal inominável do populismo para a nossa população e a destruição de suas esperanças com a inevitável corrupção de todos os governos populistas. E agora se preparam para colocar no poder um representante político que nada mais é do que um populismo em estado tão puro como o do líder sindical agora preso, com a única diferença de que voltado para o pólo oposto. Pelo visto, esse país nasceu para o messianismo político, algo do qual dificilmente vamos nos livrar. O brasileiro não se importa em ser de esquerda ou de direita, desde que haja um super líder carismático no comando.

quarta-feira, 11 de abril de 2018

Ordens e progressos

Ordem onde? Progresso quando?
Ordem quando? Progresso onde?
Ordem sem Progresso?
Ordem pelo Progresso?
Ordem pela Orderm?
Progresso pelo Progresso?
Ordem ou Progresso?
Qual ordem? Qual Progresso?
Ordem como? Progresso como?
Ordem de quem? Progresso para quem?
Ordem para quem? Progresso de quem?


domingo, 8 de abril de 2018

A República da Frustração

O discurso de hoje à tarde foi mais uma performance carismática, temperada pelo habitual narcisismo delirante. Admito, todavia, que nosso ex-presidente ostenta um virtuosismo admirável, mesmo diante de esmagadora adversidade.

Me fez recordar a posse presidencial em 2003, quando chorei de emoção, embriagado por uma esperança que não tardou a se mostrar equivocada. Muita coisa muda em 15 anos.

Me lembrei também de 1992: com 9 anos de idade, assisti ao impeachment de Collor, com uma tristeza que até hoje não entendo muito bem, uma inefável sensação de desamparo. Foi meu primeiro trauma político. Na época eu nem sabia quem era Lindbergh, mas hoje me inquietava a presença do eterno cara-pintada naquele palanque. Muita coisa muda em 26 anos.

Em 2012, olhando o Brasil de fora, por um breve momento, me pareceu que tudo caminhava para melhor: doce ilusão. Muita coisa muda em 6 anos.

Triste é ver que quanto mais as coisas mudam, mais permanecem as mesmas; mudam, inclusive, para permanecer as mesmas. Os anos Lula trouxeram algumas mudanças promissoras, ao lado de muitas continuidades inquietantes. Conquistas efêmeras, ao lado de fracassos retumbantes.

Lula é uma miragem; como toda miragem, combina realidade e ilusão. Quanto de ilusão, quanto de realidade? Difícil saber. Nem sei se quero saber.

2019 vem aí, e não há grandes esperanças no horizonte de nossa República: a frustração parece sempre e sempre ser nossa res mais pública.


sexta-feira, 6 de abril de 2018

Do gozo penal

Hoje pela manhã, dois conhecidos meus comemoravam a expedição do mandado de prisão do Lula com a alegria delirante de uma pessoa que ganha a Mega-Sena. Sorrisos de orelha a orelha, vozes alteradas, gargalhadas um tanto histéricas, olhar perturbador.

Havia algo de sádico e macabro nesse êxtase penal.

Um deles, particularmente, estava muito mais exaltado que seu ânimo costumeiro; havia algo de religioso em seu gozo - e, com efeito, ele afirmava que a prisão "desses corruptos todos" estava prevista pelo proofeta Isaías (sic).

Independentemente de minha atual aversão a Lula, toda essa cólera transfigurada em regozijo me pareceu um tristíssimo espetáculo. Inocente ou culpado, a prisão de um ser humano é algo digno de misericórdia, não de exultação. Espero apenas que nossos corações não se afoguem nessas águas tormentosas e atormentadas.

Pobres de nós, que sentimos nossas almas assediadas por tão sombrias emoções...

quarta-feira, 4 de abril de 2018

A política do "fora"

Avaliação precisa e concisa do historiador Sanger Nogueira

Existe um tipo de fazer política que é muito interessante: é a política do fora... (deputado, prefeito, governador, presidente, síndico do prédio, etc). Ela é interessante porque é muito fácil de ser assimilada pelo público. É tipo a novela da Globo (não precisa de muitas explicações sobre os seus objetivos).

Contudo, ela é vazia de conteúdo.

É vazia porque nunca se pretende saber o que se quer e, mais perigoso, saber como chegar até o objetivo. É possível passar uma vida inteira lutando pelo fora alguma coisa: sempre haverá algo pra se colocar pra fora. Seria interessante fazer o caminho inverso: pensar naquilo que se quer e apresentar, não o fora, mas o troca. Exemplo: somos contra a política educacional do governo, temos a nossa própria visão e a nossa concepção está aberta para aguentar todas críticas de todos os setores da sociedade.

Pena que isso é mais trabalhoso. O imediato sempre ganha do planejado.



"Embarcaciones" e "starships"

Acabo de passar por uma experiência curiosa. Lendo o romance El Entenado, do argentino Juan José Saer, "ouvi" tocando em minha mente - o que quer que signifique a palavra "mente" - certo trecho da trilha sonora de Star Wars, mais especificamente da sequência do Episódio IV em que as naves rebeldes partem para a batalha de Yavin.

Com alguma "presença de espírito", me interroguei: o que a música de John Williams fazia ali naquele momento? Que relação oculta poderia existir entre uma fantasia especial e um romance semi-histórico situado na América do Sul quinhentista? Que estranhas conexões os substratos mais obscuros de minha mente estabeleciam à revelia de meu ego consciente?

Relendo o parágrafo onde me encontrava, formulei uma hipótese. Narra Saer:


A la mañana siguiente, el oficial me volvió a interrogar, señalándome las orillas y, com ademanes, le expliqué que el caserío no estaba lejos y, como estábamos cerca de la borda, comprobé que durante la noche otra nave había anclado cerca de la nuestra. De la segunda, varias embarcaciones cargadas de hombres armados se aproximaban a la nuestra, en la que también la tripulación se preparaba (SAER, p. 130).


Assim como Luke Skywalker e seus companheiros, os espanhóis do romance se preparavam para uma expedição militar. Uma hipótese plausível com que trabalhar.



Há que se notar que tal conexão seria de ordem meramente - talvez totalmente - semântica. No plano propriamente sensorial há muito pouco em comum entre a narrativa de Saer e a música de Williams.

Em primeiro lugar, a distância linguística entre o inglês do filme e o espanhol do livro. Em segundo lugar, a evidente distância entre as linguagens envolvidas, literária de um lado, audiovisual do outro. Not least, mesmo no plano "visual" há considerável diferença entre uma memória visual envolvendo naves espaciais e a "imagem mental" de uma expedição fluvial - ainda aqui, a semelhança remete mais ao plano semântico que ao sensorial. Afinal de contas, "starships" não são exatamente "embarcaciones".

Outra questão também parece interessante: por que um estado introspectivo tão peculiar emergiria precisamente durante essa leitura? Suspeito que o próprio tom instrospectivo da narrativa de Saer, com nuances que eu diria vagamente proustianas ou bergsonianas, tenha me induzido a um estado propício a esse tipo de coisa.

Enfim, é o tipo de coisa que convida a pensar, sem dúvida com algum parti pris, que há muito mais entre nosso cérebro e nossa consciência que suspeitam nossas vãs teorias psicológicas fisicalistas. Tudo isso me lembra uma (longa) provocação de C.S. Lewis que li na semana passada:



Na visão naturalista plena, todos os eventos são determinados por leis. Nosso comportamento lógico, ou seja, os pensamentos e o comportamento ético, incluindo ideais bem como atos de vontade, são governados por leis bioquímicas; elas, por sua vez, são dirigidas por leis físicas, que são declarações atuariais sobre os movimentos anárquicos da matéria. Essas unidades nunca pretenderam gerar o universo regular que vemos. A lei das médias (sucessora da exiguum clinamen de Lucrécio) o produziu a partir da colisão das variações aleatórias em movimento. Os elementos químicos da Terra e o calor do Sol, juntos, geraram essa inquietadora enfermidade da matéria: a organização. A seleção natural, operando nas mínimas diferenças entre um organismo e outro, mexendo com o tipo de fosforescência ou miragem que chamamos de consciência - que, em determinados córtices, sob certos crânios, ainda em obediência a leis físicas, agora filtradas por leis mais complexas, assume a forma que chamamos de pensamento. Essa foi, por exemplo, a origem deste ensaio, e também a origem do ensaio do professor Price. O que deveríamos chamar de "pensamento" não passa do último elo de uma cadeia casual, em que todos os elos precedentes foram irracionais. Ele falou daquela forma porque a matéria de seu cérebro se comportou de determinada forma, e toda a história do universo, até o presente momento, o forçou a se comportar assim. O que chamamos de pensamento é, essencialmente, fenômeno semelhante às outras secreções - a forma que o vasto processo irracional da natureza determinou para acontecer em tempo e espaço específicos.



Claro que nem ele nem nós percebemos isso enquanto estava acontecendo. Ele acreditava estar estudando a natureza das coisas, estar consciente, de certa forma, das realidades, inclusive sobressensoriais, fora de sua cabeça. Caso o naturalismo estrito esteja certo, todavia, Price se engana - ele estava apenas desfrutando de reflexo consciente de eventos irracionalmente determinados que ocorriam dentro de sua cabeça. Ele acreditava que seus pensamentos (nome que ele dava) poderiam ter relações com as realidades externas que chamamos de verdadeiro ou falso, embora, de fato, não são mais do que sombras de eventos cerebrais, não seja fácil perceber que poderiam ter qualquer relação que não fosse casual com o mundo exterior. E, quando o professor Price defendia os cientistas, comentando a devoção à verdade e a escolha da melhor luz que conhecem, pensou estar escolhendo uma atitude de obediência a um ideal. Ele não pensou que sofria apenas de uma reação determinada por fontes totalmente amorais e irracionais, tão aptas a decidir entre o certo e o errado quanto um soluço e um espirro.



Teria sido impossível para o professor Price escrever, e para nós lermos, seu ensaio com o mínimo interesse se ele e nós tivéssemos, conscientemente, defendido a posição do naturalismo estrito o tempo todo. Mas podemos avançar mais. Seria impossível aceitar o naturalismo caso acreditássemos nele real e consistentemente. O naturalismo é um sistema de pensamento, porém, para ele, pensamentos não passam de eventos com causas irracionais. De qualquer forma, considero impossível tomar os pensamentos que criaram o naturalismo dessa forma e, ao mesmo tempo, enxergá-los como discernimento real de uma realidade externa. Bradley fez a distinção entre ideia-evento e ideia-criação, mas parece-me que o naturalismo considera as ideias como simples eventos. O significado é uma relação de um tipo totalmente novo, tão remoto, misterioso e obscuro para o estudo empírico quanto a alma.



Talvez isso possa ser colocado de forma ainda mais simples. Cada pensamento particular (seja ele julgamento de fato ou de valor) pode ser abandonado sempre e por todos os homens no momento em que pode ser explicado por completo como resultado de causas irracionais. Sempre que você sabe que o que outra pessoa diz se deriva totalmente de suas complexidades ou de um pedaço de osso que pressiona seu cérebro, você deixa de dar importância ao que foi dito. Se o naturalismo, porém, fosse verdadeiro, então, todos os pensamentos seriam igualmente sem valor. Se for verdade, então não há como conhecer verdades. Ele corta a própria garganta.



Lembro-me de certa vez terem me mostrado um tipo de nó que se desfazia se você tentasse amarrá-lo mais, e você acabava apenas com um pedaço de barbante na mão. O mesmo acontece com o naturalismo. Ele avança sobre um território após outro. Primeiro o inorgânico, depois os organismos inferiores, em seguida o corpo humano e, então, suas emoções. Quando, porém, dá o passo final e busca a explicação naturalista do pensamento, de repente o nó se desfaz. O último passo, fatal, invalida todos os precedentes: trata-se de raciocínio, que havia sido descartado. Portanto, precisamos abrir mão do pensamento, ou então começaremos de novo, da estaca zero (LEWIS, pp. 137-140).

Obras citadas
Juan José SAER. El entenado. Buenos Aires: Booket, 2012.
C.S. LEWIS. Compeling Reason*. São Paulo: Pórtico, 2017.

*Me recuso a utilizar o título "autoajudeiro" dado à tradução brasileira, Ética para viver melhor - Diferentes atitudes para agir corretamente.


Quem segue?

Há mais vantagem em ser um seguidor obscuro de uma grande pessoa que em ser uma pessoa minúscula repleta de seguidores...