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quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

A universidade brasileira, as línguas estrangeiras e a "inserção internacional"

Comentários recortados de uma conversa no Facebook


Certos cursos de graduação exigem alguns períodos de língua estrangeira instrumental e talvez todos devessem fazer a mesma exigência, mas não ao longo de todos os períodos, creio. Seria até mais produtivo, por exemplo, que se exigisse 2 e até 3 línguas diferentes - em lugar de apenas uma durante o curso inteiro.

Por outro lado, discordo da obrigatoriedade do inglês. Seria mais produtivo, me parece, que tivéssemos bons leitores em várias línguas, capazes de trazer contribuições estrangeiras mais plurais, aumentando nossa "superfície de diálogo", por assim dizer.

Além disso, interesses variados requerem ferramentas diferenciadas. O francês foi e é muito mais importante que o inglês para mim. Na graduação fiz dois semestres de latim instrumental que me foram de grande valia. Na verdade, acho que se houvesse a exigência de uma língua obrigatória na graduação em História, deveria ser o latim! Pode parecer preciosismo, mas o conhecimento do latim dá outra espessura à percepção das relações entre tempo e linguagem; é quase como enxergar a "planta baixa" da cultura ocidental. Ok, agora exagerei...!

Enfim, tendo a pensar a questão por outro viés, mais intelectual que acadêmico. O aprendizado de línguas estrangeiras oferece insights sobre a linguagem e a construção de conhecimento que me parecem muito mais importantes que a "internacionalização da universidade" propriamente dita.

Acho que esse aprendizado desempenha uma função muito mais significativa que o mero acesso à bibliografia acadêmica x ou y. No meu caso, o francês foi o mais importante para a minha formação; para outra pessoa pode ser o italiano, o russo, o japonês... A questão, me parece, é o encontro com a língua estrangeira enquanto outro código cultural para pensar a realidade, ampliar horizontes. 

Nesse sentido, até um aprendizado parcial ou incompleto tem seu valor. Durante a adolescência tentei por muitos anos aprender árabe, mas nunca consegui assimilar grande coisa; ainda assim, o contato com a língua teve um papel "interessante" em minha formação, especialmente na percepção da codificação da língua escrita. A própria compreensão de minhas dificuldades em penetrar nesse outro universo linguístico me ajudou a compreender (um pouco) melhor as distâncias entre trajetórias culturais distintas. 

A distinção fundamental, me parece, é se queremos formar um acadêmico capaz de ler, escrever etc em uma língua estrangeira ou se tencionamos formar um intelectual com certa sensibilidade às nuances da linguagem. São propósitos muito diferentes, e o último me parece muito mais importante que o primeiro.

Por outro lado, penso que a questão da língua é secundária em relação a nossa "inserção internacional". Temos poliglotas suficientes para ler, falar e publicar em línguas estrangeiras, mas sofremos de certo "provincianismo temático" que me parece letal nesse sentido. Basta olhar as dissertações e teses defendidas em nossos programas de pós. Quase todos os trabalhos são centrados em História do Brasil, da América Latina ou do mundo ibérico - o que redunda numa esfera de diálogo bastante estreita. Basta uma olhada nos grandes centros europeus de produção historiográfica (declinantes ou ascendentes) para perceber que há uma variedade imensa de recortes geográficos e cronológicos. Frequentando seminários no Centre Roland Mousnier (Sorbonne) e na EHESS ficava evidente o amplo leque de regiões e períodos estudados pelos jovens pesquisadores.

Uma comparação parece sugestiva: a antropologia brasileira se tornou imensamente relevante no plano internacional nas últimas décadas em grande medida porque encontrou um meio de romper com essa lógica. Como vi há pouco tempo um grande antropólogo brasileiro falando, ganhou muito espaço certa tendência a pensar o índio "no Brasil" em lugar de uma tradição mais arraigada que pensava o índio "do Brasil" - a coisa muda de figura. Há antropólogos no Museu Nacional de quem se diz, por exemplo, que é "a forefront actor in the inquiry on what it is to be human" - e não estamos falando aqui de Eduardo Viveiros de Castro, que é "apenas" a estrela mais brilhante de uma grande constelação. Claro reflexo disso é que hoje o Museu Nacional atrai significativa quantidade de pós-graduandos estrangeiros, inclusive da Europa.

Além de tudo, nosso ensino básico, mesmo nas melhores escolas particulares, é muito fraco. Muitos estudantes chegam à graduação com dificuldades básicas de interpretação de texto, hábitos de leitura e estudo deficientes, buracos de formação imensos e por aí vai. A falta de domínio de línguas estrangeiras é um mal, mas provavelmente o menor dos males. Há pouco tempo fiz um parecer a um artigo de um mestrando que mais parecia um texto de estudante secundarista - e não é um ponto muito afastado da curva. 

Há pouco tempo um professor de certa universidade federal me dizia que cerca de 50% de seus estudantes de primeiro período não se mostravam aptos a decifrar um texto acadêmico. Outro conhecido, que leciona numa prestigiosa universidade particular também se queixava de situação semelhante.

Acho que algumas críticas de Tolstói à Rússia dos czares caem como uma luva ao Brasil de hoje: investimos mundos e fundos em pesquisa e pós-graduação enquanto o ensino básico está entregue às baratas e depois nos espantamos com o resultado final da coisa. Gastamos muito com verniz, mas investimos pouco em madeira, por assim dizer. Por alguma estranha razão, agimos como se bolsas de mestrado e doutorado fossem capazes de transubstanciar anos de incúria educacional em brilhantismo acadêmico. Um pesquisador de alto nível não se faz em meros dez anos de graduação e pós. Nos preocupamos mais com o telhado que com os alicerces, e depois simplesmente fingimos que as métricas de produtividade científica retratam fielmente a realidade.

A bem dizer, o ensino básico anda em crise no mundo inteiro, mas aqui o panorama se torna muito pior pelo simples fato de que nunca foi grande coisa. 

Sad, but true.

Um comentário:

Fred Oliveira disse...

Considero que ter alguma competência em outras línguas é bom para o currículo e para o acervo de possibilidades de leituras e intercâmbio cultural, certamente. Mas não é carimbo de relevância para o valor do trabalho de nenhum pesquisador. O cara pode falar dez línguas e ser um pesquisador medíocre, servindo a sua poliglotice apenas para que mais gente saiba de suas limitações. A educação básica é o caminho! É a educação básica que vai sedimentar um caminhão de competências necessárias ao processo educativo ao longo da vida escolar de todo educando. Também concordo que deveria ser dado espaço para várias línguas e não apenas o inglês... Espanhol, mandarim, árabe, francês, alemão, etc, deveriam estar disponíveis para quem se interessasse por aprendê-las. Há também questões individuais que devem ser consideradas. Algumas pessoas tem mais talento que outras para o aprendizado de línguas. Uns dominam a fala e a leitura. Outro só leem instrumentalmente textos acadêmicos. Guimarães Rosa era poliglota, Karl Japers não! Ambos foram geniais.!Nossa cultura acadêmica é muito focada no inglês, francês e alemão. Estamos cercados pelo espanhol e não conseguimos (na média) ter algum domínio da língua que está a nossa volta. O nosso distanciamento de outras línguas ocorre em paralelo com o nosso distanciamento geográfico e mental do resto do mundo. Mas a nossa periferia é sobretudo mental. A nossa academia também não valoriza, a meu ver, como deveria o acréscimo de saberes. Já ouvi diversas vezes que fazer tal faculdade "sujaria" o currículo. Nossos doutores pouco sabem dos outros campos de conhecimento alem do de sua disciplina... Há muita vaidade desnecessária. Aprender uma língua é aprender um mundo. Mas temos muito o que fazer ainda. Há muito por transformar, educar e construir culturalmente no nosso país e acho que a educação básica é que deveria ser privilegiada de maneira avassaladora para que nosso futuro venha a ser menos medíocre.