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quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Religião X espiritualidade: entre o dogma e a libertação

Extrato do livro Deus - Sua história na epopeia humana, do filósofo Frédéric Lenoir

"Com o período axial podemos falar verdadeiramente de espiritualidade. Como vimos, a religião liga [em francês, lie, "amarra"]. Ela reúne os seres humanos através de uma crença coletiva num invisível que os ultrapassa. Por isso, Régis Debray utiliza muito adequadamente o termo 'comunhões humanas' para falar de religiões. Inicialmente, porém, eu diria que a espiritualidade, a busca pessoal do espírito, desliga [em francês, délie, "desamarra"]. Ela liberta o indivíduo de tudo o que o prende e o aprisiona em visões errôneas: ignorância, a priorismos, preconceitos etc, mas ela também o liberta do grupo. Ela o liberta do peso da tradição, do coletivo, para levá-lo a si mesmo, à sua verdade interior. Em seguida, se a espiritualidade começa desligando o indivíduo, ela tem como fim último ligá-lo de maneira justa aos outros. Dito de outra forma, a espiritualidade desliga para melhor ligar; ela liberta o indivíduo para ensiná-lo a amar. Uma espiritualidade que deságua na indiferença ou no desprezo pelos outros não tem nada de autêntico. É uma neurose que oferece o espiritual como álibi.

Todas essas correntes de sabedoria e espiritualidade que nascem durante o primeiro milênio de nossa era têm como objetivo permitir que o indivíduo seja de maneira plena, desenvolvendo a parte divina ou transcendente que o habita. De fato, o indivíduo se emancipa em grande parte dos rituais e das crenças coletivas para ter acesso direto ao divino ou ao Absoluto. Pelo viés da razão, da experiência interior, da oração, da meditação, ele procura a verdade. Essa busca interior e pessoal frequentemente o deixa numa situação ambígua em relação às tradições religiosas que privilegiam o interesse do grupo, do povo, da tribo, da cidade. Assim é que Buda atrai o ódio dos brâmanes cujos ritos sacrificiais inúteis ele denuncia. Sócrates é condenado à morte por impiedade, e Jesus, por ter ameaçado o poder sacerdotal. E seus acusadores não se enganaram: esses três personagens contribuíram enormemente para emancipar o indivíduo da religião dominante. Inicialmente, colocando-o numa relação direta com Deus, o Absoluto, ou o princípio divino. Pela oração  (Jesus), a filosofia (Sócrates) ou a meditação (Buda), o homem pode operar sua salvação sem passar pelos ritos sacrificiais pregados pela tradição. Em seguida, o ensinamento deles rompe com o caráter aristocrático das sociedades tradicionais. Para eles, não há diferença fundamental entre os seres humanos. Todos: ricos ou pobres, escravos ou homens livres, homens ou mulheres podem ascender à libertação ou à salvação. Não há mais hierarquia, casta, povo eleito. Todos os seres humanos são iguais porque todos possuem uma alma imortal que lhes permite desenvolver uma vida espiritual que os torna livres. A partir daí, a nobreza da alma importa mais do que a nobreza de nascimento. A espiritualidade é radicalmente democrática. Consequentemente, ela enfraquece qualquer instituição religiosa que afirma que a salvação passa pela lei ou pelos rituais coletivos impostos por uma casta privilegiada: a dos sacerdotes. Mesmo que frequentemente nasçam e se desenvolvam no seio de tradições religiosas, as correntes espirituais introduzem uma forte contestação de tais tradições, chegando por vezes até mesmo a produzir cismas, como o budismo em relação ao hinduísmo, o cristianismo em relação ao judaísmo ou, no seio mesmo do cristianismo, o protestantismo em relação ao catolicismo. Porque o cristianismo logo se desviou de sua contestação inicial do legalismo religioso para recriar um legalismo e um clericalismo tão pesados quanto o que foi denunciado por Jesus. Assim, há um série de reformas sucessivas, dentre as quais a de Lutero, no século XVI, que pretende se emancipar do poder dos clérigos e do papado para voltar aos principais fundamentos do evangelho: a pobreza, a relação direta com Deus, a igualdade entre todos. Muito antes de Lutero, porém, as ordens religiosas e as correntes místicas permitiram que numerosos cristãos se emancipassem, pela interioridade, do pesado fardo da instituição.

As correntes espirituais que professavam uma ortodoxia doutrinal, criticando simultaneamente o poder ou a corrupção dos clérigos, foram de certo modo assimiladas pela instituição e muitas vezes contribuíram para a reforma interna. Foi o caso das ordens monásticas. É o que vemos com Bernardo e os cistercienses, ou Francisco de Assis e os franciscanos. Mas aqueles que se desviaram do dogma foram erradicados pela Inquisição. É o caso dos cátaros e de numerosos movimentos místicos, como o das beguinas, mulheres adeptas do 'livre espírito'. Lutero também questionará aspectos do dogma, mas, na sua época, a Igreja não tinha mais os meios para lutar contra as correntes contestatárias. Ele foi protegido por um príncipe alemão convencido de suas ideias, que se recusou a entregá-lo ao papa. A Reforma protestante rapidamente conquistou numerosos príncipes e reis, por demais felizes em, desse modo, se libertarem do domínio de Roma. O Renascimento, com a descoberta do humanismo grego, teve um impacto decisivo sobre a religião cristã, redirecionando-a para suas origens que são muito próximas do ideal democrático e da autonomia do sujeito, da libertação do indivíduo em relação ao grupo".

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