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quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

A mentira nas redes sociais

Depois de longa ausência, finalmente entreguei minha tese; a oficina volta a funcionar.

Hoje minha esposa comprou um livro delicioso: Como ter uma vida normal sendo louca, de Camila Fremder e Jana Rosa. Li inteirinho no caminho para casa - sim, sou pobre, ando de ônibus e fiquei preso no engarrafamento! As autoras abordam várias situações do cotidiano com um humor que vai desde o nonsense à mais fina ironia, fazendo rir e refletir ao mesmo tempo. Resolvi transcrever integralmente o último (e melhor) capítulo do livro.

"Este ensinamento não deveria ter esse título redundante, porque não existem redes sociais sem mentiras.

Todos que já viram fotos do Orkut Büyükkökte (o criador do Orkut) e do Mark Zuckerberg (criador do Facebook) entendem o porquê do esforço de criar um mundo onde podemos ser mais bonitos, ricos e magros dentro de uma banheira tomando champanhe.

No começo até nos esforçávamos para falar a verdade quando entrávamos em comunidades do Orkut, ingenuamente, conversando com pessoas do mundo inteiro sobre assuntos que, muitas vezes, queimavam o filme, sem nenhum cuidado com o que escrevíamos e nenhum medo de nos expor.

Talvez pelo layout mais clean do Facebook e pelas pessoas que começaram a usar o Orkut para fazer perfis maldosos, ameaças e aceitar testimonials sem noção, quando chegamos no Face nos sentimos mais intimidadas para abrir a vida. Tudo começou a ficar mais difícil, com mais links, mais páginas e mais funções, além de pela primeira vez ser muito restrito, apenas para quem conhecíamos.

Nos últimos anos fomos treinadas a agir de caso pensado. Abandonamos aqueles amigos que nunca vimos da comunidade "Remédio tarja preta" e todas as fotos sem maquiagem e de roupa feia que tirávamos em câmeras digitais, e nos tornamos pessoas que só podem ser felizes, bonitas, críticas, viajadas e entendidas de música.

Hoje, se você escrever em uma rede social que está chateada, as pessoas vão te achar depressiva, e depressiva é muito distante de chateada, como você e todos os psicólogos do mundo bem sabem. A verdade é que você tem que estar feliz, muito feliz, mais feliz do que o normal de feliz, mais feliz do que se sente quando nasce um filho seu, todos os dias, o tempo todo. E tem que ser feliz besta, amorosa, do tipo que gosta de todo mundo e manda corações o tempo todo, para qualquer pessoa que tem preguiça na vida real.

Inclusive o coração, que no passado já foi um símbolo do amor, hoje é usado para mandar respostas rápidas para alguém que você não está a fim de escrever qualquer palavra.

Quando começamos a usar o Twitter, ainda tínhamos um resto de ingenuidade do Orkut, que nos fazia contar o que almoçávamos, como estávamos nos sentindo e quando levávamos um pé na bunda, com detalhes e nomes. Também falávamos mal do emprego, do chefe, de pessoas conhecidas, de minorias e de famosos, porque achávamos que era uma terra de ninguém, e era mesmo.

Hoje ninguém conta na timeline que está triste porque terminou - as pessoas mandam indiretas. Ninguém fala o que realmente está sentindo, pois todos se sentem bem, maravilhosos, fingem que estão programando a próxima viagem, frequentando festas exclusivas, dando check-in nos lugares que vão, como se fosse interessante saber quem foi onde.

Se você falar mal do chefe ou do emprego, não só fica desempregada como também nunca mais arruma um trabalho na vida, em nenhum outro país, porque as redes sociais também mostram quem conhece quem. Mesmo se você for para a Romênia tentar recomeçar a vida, alguém vai conhecer alguém que conhece alguém que conhece seu ex-chefe, e vai contar por inbox que você o criticou na internet.

Já estava de bom tamanho a paranoia que criamos no Twitter, fingindo o tempo todo sermos engraçadas, críticas, inteligentes e ocupadas, e aí apareceu o Instagram para acabar com tudo.

Nossa vida, que ainda era 30% real, virou uma completa mentira. Nossa pele nunca mais teve cor de pele, ela agora é Valecia, mas muitas vezes é Earlybird. Nossos cachorros não são mais o melhor amigo do homem, são objetos de exposição para competir quem tem o cão mais fofinho. Os filhos também servem para isso, e quem tiver um bebê gordinho e sorridente será eterno naquele aplicativo ou eterno enquanto o bebê não crescer e se tornar um adolescente desproporcional.

Pedimos comida pensando em tirar foto: muitas vezes trocamos um risoto por cheeseburger, só porque o cheeseburger é muito mais fotogênico, além de risoto parecer vômito. E engordamos muitos quilos, de tantas sobremesas que clicamos e comemos. Depois emagrecemos, só pra poder frequentar a academia e tirar fotos no espelho dela. Ninguém nunca mais se concentrou no pilates, porque estamos muito preocupadas tirando fotos de ponta-cabeça para colocar o filtro Brannan e criar hashtags do tipo #pilates #instavibe #saúde #justme #projetoverão.

Namorar também nunca mais foi a mesma coisa, porque cada estágio do relacionamento do casal precisa ser registrado. Desde o primeiro beijo até a primeira viagem com a família. Desde o presente que ele traz quando viaja até o anel do noivado, o casamento, a lua de mel em detalhes. E se rolar um divórcio precoce, não nos desesperamos mais, é só postar a foto de um livro de autoajuda e uma paisagem bonita que todos vão acreditar que está tudo bem.

Mas passamos tantas horas por dia mentindo sobre ser feliz que nós mesmas começamos a acreditar. Agora não conseguimos nem mais encontrar os amigos e curtir o momento, porque estamos muito ocupados olhando o celular e bolando um post para mostrar na próxima foto o quanto somos felizes, legais e conversamos quando estamos juntos, sendo que cada um está olhando para uma telinha e contando o número de likes que recebeu em uma foto ou frase, para saber se é querido ou não.

E mesmo sabendo tudo isso, e nos achando loucas, não pretendemos mudar. Muito pelo contrário, queremos mentir muito mais. Vai que pensando dessa forma tão otimista e positiva e fingindo que somos maravilhosas, absolutamente felizes e ricas, não nos tornamos isso finalmente?"

Um comentário:

Marcos Passini disse...

E, apesar de tudo, continuamos lá.