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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Direitos humanos no Brasil - uma síntese interessante

Trecho muito interessante de "Uma História do Brasil", do brasilianista Thomas E. Skidmore. Vale esclarecer que os parágrafos a seguir se situam num capítulo sobre o regime militar.  Grifos meus.

"Embora a elite tenha sempre preferido ver seu país como fundamentalmente não-violento, esta é uma leitura muito imprecisa da história brasileira. A escravidão, por exemplo, fora baseada na brutalidade física que incluía mutilação, espancamentos impiedosos e execução, e havia se mantido no Brasil até 1888 (o trabalho forçado de índios amazônicos continuou por ainda mais tempo), durando mais do que em qualquer outro lugar nas Américas. No Brasil do início da década de 1960, maus-tratos físicos por parte da polícia eram prática corrente em relação a cidadãos comuns, o que em parte era uma herança da violência que cercava a escravidão. Mas era também inerente à manutenção da sociedade altamente hierárquica que a República brasileira herdara. Desde o início da República em 1889 o governo recorreu repetidamente à declaração de estado de sítio, permitindo, assim, a suspensão das garantias judiciais. Durante os protestos populares contra a vacinação compulsória no Rio em 1904, por exemplo, as multidões eram bombardeadas por artilharias. Mais de trezentos dos detidos foram então deportados, sem nenhum procedimento judicial, para campos distantes no Amazonas. Táticas de internamento semelhantes foram empregadas na esteira da revolta naval de 1910.

Maus-tratos policiais em relação à elite, por outro lado, eram raros, mesmo porque os policiais eram membros das classes que não pertenciam à elite e temiam seus superiores sociais. Exemplos de comportamento diferenciado eram fáceis de encontrar. Qualquer preso que tivesse um diploma de curso superior, por exemplo, tinha por lei (criada pelo Código Penal de 1941) direito a melhores acomodações carcerárias do que os presos comuns. Qualquer membro da elite que tivesse problemas com as autoridades podia contar com rápida ajuda de sua rede de contatos. Um indicador básico da aplicação desigual da justiça era a complacência patente para com criminosos de colarinho branco como trapaceiros da bolsa de valores, que raramente sofriam alguma punição significativa, enquanto os suspeitos comuns podiam geralmente esperar o pior.

Esse sistema de justiça diferenciada era bem entendido por todos os brasileiros. Ele reforçava a estrutura social hierárquica que era fechada mas não impermeável. Quando o Brasil crescia economicamente, sua elite expandia-se, mas essa mobilidade não alterava a hierarquia em si.

A eleite sempre fora capaz de permanecer na ignorância do verdadeiro funcionamento do sistema de justiça criminal, o que mudou com a guinada altamente autoritária em 1968, uma vez que o movimento de guerrilha era liderado principalmente por jovens insatisfeitos da elite, não por trabalhadores. Os nacionalistas radicais militantes, descontentes com o golpe, eram o principal material recrutado para a oposição armada. Muitos deles vinham de organizações de jovens católicos de esquerda e de grupos políticos universitários (predominantemente da elite em sua origem). As forças de segurança interrogavam todos os suspeitos da guerrilha com os métodos que eram normais para criminosos comuns mas não praticados com a elite. Um deles era o pau-de-arara, em que a vítima era pendurada nua numa vara horizontal e submetida a espancamento e choques elétricos. Um outro consistia em submergir a vítima em água suja e disparar uma arma bem sobre sua cabeça quando o corpo vinha à tona. Para casos particularmente difíceis, isto é, quando a confissão ou a prova incriminadora não estava próxima, a eletricidade era aplicada nos órgãos genitais, ouvidos e outros orifícios do corpo. Elite e não-elite tinham o mesmo tratamento. Quando relatos desse tratamento brutal vazavam, as famílias das vítimas da elite ficavam verdadeiramente chocadas. Mesmo filhos de generais enfrentaram o horror da tortura.

Essa repressão indiscriminada fez com que muita gente na elite reconsiderasse seu apoio ao governo militar. A ameaça à segurança justificaria realmente a barbaridade do governo? Eles não haviam imaginado que se chegaria a isso.

Lentamente, as instituições da elite começaram a reagir. A mais bem situada era a Igreja Católica, cujos bispos estavam chocados com os maus-tratos dispensados a membros de seu clero. Mesmo bispos conservadores que haviam endossado entusiasticamente o golpe agora denunciavam a tortura. Uma segunda instituição da elite que reagiu, ainda que lentamente, foi a Ordem dos Advogados do Brasil. Os poucos advogados criminalistas que defendiam prisioneiros políticos e sabiam em primeira mão da tortura tentavam, agora, levar seus colegas à ação. Os advogados, a nata da elite, começaram a descobrir um novo sentido para o domínio da lei. Contudo, nem a Igreja, nem os advogados tinham poder contra os militares. O melhor que podiam fazer era divulgar mensagens discretas entre a elite ou passar informações para amigos no exterior.

Mesmo entre os militares havia sinais de intranquilidade. A maioria dos oficiais aceitara a linha oficial (admitida interna mas nunca publicamente) de que a tortura era usada imediatamente após a prisão para obter informação "quente" que "salvaria" vidas. Mas os torturadores às vezes continuavam seu trabalho por semanas ou mesmo meses depois da prisão da vítima, quando já não havia nenhum propósito tático para tal brutalidade. O comando militar negava de forma categórica qualquer excesso, embora informalmente oficiais deixassem claro que "guerra é guerra". A curto prazo, não havia recurso contra os torturadores; mas havia uma questão mais ampla: se o governo militar terminasse, a elite brasileira reconheceria que a tortura fora de fato a última expressão de um sistema repressivo mantendo a hierarquia social que a beneficiava há tanto tempo?"

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