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domingo, 1 de maio de 2011

Mutações culturais: a Páscoa entre judeus, cristãos e chocolates

Com uma semana de atraso, eis um novo post. Não pretendo aqui discutir o "verdadeiro" significado da Páscoa ou de seus símbolos e práticas, mas principalmente o modo como essa comemoração, ao longo dos séculos passou por inúmeras transformações, apropriações, convergências e divergências ao circular no âmbito de diversas culturas.

Como se sabe, a Páscoa é originalmente uma celebração judaica, Pessach, que comemora o êxodo, a saída dos hebreus do Egito, guiados por Moisés, tal como é narrado no Antigo Testamento. Como tal, é uma data importantíssima do calendário judaico, à medida que comemora um dos fatos fundadores dessa cultura. Um dos principais aspectos dessa comemoração é o banquete ritual familiar, onde, entre outras coisas, são consumidas ervas amargas, para rememorar o sofrimento do povo hebreu no cativeiro egípcio e durante as privações do êxodo.

Depois de séculos, a data seria apropriada pelos cristãos, com significados inteiramente diferentes, à medida em que passa a comemorar o martírio de Cristo na cruz e sua subsequente ressurreição três dias depois. Contudo, como narra o Novo Testamento, isso teria acontecido exatamente na época de Pessach, o que levou a uma curiosa superposição das duas comemorações, até porque, devemos lembrar, os primeiros seguidores do Cristianismo eram em sua maioria judeus.

Mais tarde, com a expansão do Cristianismo e especialmente no contexto do árduo combate do Catolicismo medieval pela cristianização efetiva das populações rurais, novas convergências: a Páscoa é assimilada aos festivais sasonais pagãos, que comemoravam a chegada da Primavera. Por sinal, muitos dos simbolismos agrários associados à Pascoa (trigo, ovos, coelho, etc) devem bastante a essa transação cultural. O próprio nome da Páscoa na língua inglesa, Easter, está relacionado a esse contexto, uma vez que provém da deusa pagã saxônica Eostre, cujo festival ocorria nessa época. Aliás, também é digna de destaque a consolidação da tríade Carnaval-Quaresma-Páscoa, nessa época, formando um circuito que leva do profano ao sagrado, por intermédio da Quaresma, que curiosamente tem cada vez menos importância no imaginário coletivo. Vale destacar uma curiosidade sobre a Quaresma: na Idade Média podemos dizer que ela "unia o útil ao agradável", uma vez que esse período de jejum e contrição coincidia justamente com o final do inverno europeu, período em que as reservas de alimentos guardadas no fim do Outono se tornavam escassas, ou seja, às motivações religiosas somavam-se outras, mais pragmáticas.

Por fim, o último capítulo de nossa história nos traz a época mais recente: a apropriação da Páscoa pela indústria e pelo comércio, fenômeno do século XX. Um de seus aspectos mais interessantes é o sucesso em transformar a data e seus simbolismos em mercadorias, especialmente os ovos, transformados em ovos de chocolate, prática muito recente; segundo minha avó relata, não havia nada disso em sua infância e adolescência, datando a introdução dos ovos de chocolate no Brasil da década de 50. Contudo, ainda mais interessante é o modo pelo qual a Páscoa passou por um processo de consciente esvaziamento de significados através da propaganda, passando de data religiosa judaica e cristã a comemoração laica, celebrada também por muçulmanos, ateus, agnósticos e até (discretamente) em países sem qualquer tradição cristã ou judaica, como é o caso do Japão.

Desse modo, podemos ver nessa tímida recapitulação o modo como ao longo de séculos uma comemoração passou por sucessivas transformações, atendendo a toda ordem de interesses, ora ganhando novos significados, ora perdendo-os.

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